Eduardo Tessler
Um dia alguém decidiu que era preciso delimitar fronteiras entre terras. Muros entre casas, cercas entre fazendas, postos alfandegários entre países. O mundo se dividia e, apesar de todo o espaço livre, era preciso fixar o "meu", o "teu" e o "dele".
As fronteiras hoje servem muito mais para impedir a entrada de problemas - lê-se pessoas - do que para se usufruir da terra. O muro alto e intransponível entre o México e os Estados Unidos é famoso em todo o mundo. As cercas de arame farpado e com corrente elétrica sobre os dois muros que dividiam Berlim até 1989 também. Famosa também era a mira certeira dos soldados alemães orientais, sempre em direção ao peito de quem dava um jeito de escapar sem permissão.
A Suíça é um caso incrível. As leis sociais impedem que a guarda de fronteira desconfie muito dos estrangeiros que tentam entrar. Os travestis brasileiros, por exemplo, costumam entrar na Europa pela Suíça. Não há problemas em apresentar um passaporte com nome de homem e a aparência ser toda feminina. Nem uma palavra. Depois, sair da Suíça para a Itália, entre outros destinos, é moleza.
A extensão das fronteiras brasileiras é gigantesca. Seria necessário um exército de mais de um milhão de homens para tomar conta das terras em contato com outros países. Isso é impossível. Onde a fronteira é seca, fica fácil atravessar incógnito. Pessoas, contrabando, drogas. Tudo.
Um dos pontos de fronteira mais curiosos do Brasil é justamente o mais ao sul. Do lado brasileiro, a cidade de Chuí e seus 6 mil habitantes. Do lado uruguaio, Chuy (com ípsilon) e 10 mil pessoas. Entre as duas cidades, um canteiro.
Um canteiro? Bem, uma rua com um canteiro. Mas o que delimita a fronteira é o canteiro. Para cá Brasil, para lá Uruguai. Tudo muito bem e em paz se os prefeitos chegassem a um acordo sobre como deveria funcionar essa rua. Não há nenhum obstáculo para se cruzar, ou seja, os dois povos podem cruzar livremente a fronteira (os postos de fronteira são na estrada, poucos quilômetros depois). Mas as autoridades até hoje, com o passar dos anos, ainda não chegaram a acordo algum.
Resultado: o lado brasileiro da via chama-se Rua Uruguai, o uruguaio é a Calle Brasil. E as duas vias da mesma rua funcionam para ambas as direções. Ou seja, ao invés de uma seguir para o Oeste e a outra para o Leste, as duas permitem duas mãos. O turista, que costuma lotar as freeshops (somente do lado uruguaio) não entende nada. Nem os flanelinhas, que ganham a vida por ali.
- É normal ter acidente por aqui - diz Carlos, um flanelinha uruguaio - As pessoas de fora não entendem o sentido das ruas e entram sem olhar.
Fronteira, na verdade, é algo em desuso. Os europeus já aboliram quase todas. A diferença é que a União Européia é algo sério, o Mercosul nem tanto. Enquanto isso, as fronteiras esdrúxulas como a do Chuí seguirão a existir e a assustar os menos avisados. Sorte para os mecânicos.
Eduardo Tessler é jornalista e consultor de empresas de comunicação.
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