Muros e fronteiras
Por Silvana Losekann
Antes de construir um muro eu me perguntaria para saber quem estou colocando do lado
de dentro e quem colocaria do lado de fora… Boas cercas fazem bons vizinhos.
Robert Frost
O homem universal e um mundo sem fronteiras eram tudo que nos previam nos tempos de guerra fria e de governos totalitários que varriam o mundo. Todo mundo de jeans, bebendo coca-cola ou vodka, ou mojito, e cantando a mesma canção. Hoje queremos distância de quem pensa num futuro assim.
Podia ser uma utopia comunista internacionalista ou até mesmo uma aldeia global capitalista, mas nunca nos pintou a certeza de que estas coisas tinham alguma verdade que não fosse a dominação.
Quero todo meu direito ao local e que as fronteiras sejam de novo fechadas. Os limites que nunca deverão cair serão aqueles da liberdade de circulação do mercado dos bens culturais do mundo. Não é saudade esta falta de caminhos, pois caminhar pela cidade velha de Cachoeira, em volta do Chatodô, é o que de mais bonito existe. Saudade é uma coisa portuguesa e é a única coisa na vida que quando se mata nos sentimos felizes. Saudade a gente mata, suporta, ou então esquece. Minha cidade é assim, tem um rio, a saudade, as pessoas, o Chatodô, identidade açoriana, e fim.
Tolstoi pediu que se um dia quisermos ser universais, devemos começar por pintar a nossa aldeia. Quanto mais local, mais universal será. Se um dia foi utópico acabar com as fronteiras, a regra agora é de novo construí-las. Acabando com as fronteiras e os limites, os bárbaros nos invadirão com sua mediocridade e seus calçadões, shoppings, edifícios de vidro e de calor. Toda fronteira deve ser sagrada e em movimento. É algo bom que nos resguarda e nos congrega nos projetos e na identidade. O importante é a gente achar que vivemos no centro do mundo e não na periferia. Se for tudo medíocre é que o mundo também o é. Quando Cachoeira se perdeu, nos perdemos junto, e o que nos importa são as histórias e as memórias do que acontecia por aqui e que, por ter uma identidade, somente poderiam ter acontecido por aqui mesmo. Afinal, saber o que é ser de Cachoeira é saber o que não é ser de Cachoeira. Temos que viajar muito para nos reconhecer e adquirir a sensação de pertencermos a algum lugar neste mundo de meu Deus. Com certeza, nenhum sentimento latino-americano nos une e nunca usamos poncho, falamos castelhano e tocamos o “El condor passa”, nem tropicais nós somos e nunca corremos atrás de trios elétricos e nem celebramos o dia das ações de graças. Nem italianos e nem alemães, somos açorianos. Se o mundo não tem mais fronteiras temos que descobrir e valorizar o nosso limite e o sentido deste lugar. Ter uma identidade é manter a alma, quando se perde seremos como zumbis assimilando tudo aquilo que nos apagará da história.
Exigimos demarcação e linha divisória. O mundo não será único e somente nos devem interessar a multiplicidade e conservar nossos corações e sentimentos locais. Wim Wenders e “aprendenders.”. O único medo e ficar sem identidade nenhuma. Mas os cartógrafos alegam problemas de escala para banir as fronteiras do mapa.
Sou mais o rio ainda que depois da curva. Sou mais a biblioteca com seus labirintos. Sou mais os paralelepípedos subindo a Rua 7. Sou mais o Netuno universal acima de todos nós e somente ele acima e dentro de cada um.
Eduardo Florence (médico e colunista do Jornal do Povo)
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