POESIAS DE DÉBORA GARCIA
Genealogia
Às vezes me perguntam
Por que falo tanto da África
Se lá nunca estive
Por que sinto tantas saudades
Se de lá nunca parti
Por que falo tanto da África
Se lá nunca estive
Por que sinto tantas saudades
Se de lá nunca parti
Eu respondo com a certeza
De quem nunca sentiu assim:
Nunca estive na África
Mas África sempre esteve em mim.
De quem nunca sentiu assim:
Nunca estive na África
Mas África sempre esteve em mim.
Sou Negra
Sou negra!
Negra da cor da noite
Negra como o carvão
Negra sim!
E não venha me dizer que isso é ruim
Porque, eu digo, é muito bom.
Não é fácil. Mas o que é fácil nessa vida de cão?
Negra da cor da noite
Negra como o carvão
Negra sim!
E não venha me dizer que isso é ruim
Porque, eu digo, é muito bom.
Não é fácil. Mas o que é fácil nessa vida de cão?
Sou negra
E a esperança em mim reluz como estrelas no breu
Como a lua e o sol imperam no céu.
E a esperança em mim reluz como estrelas no breu
Como a lua e o sol imperam no céu.
A luta em mim resiste como um diamante
Que não se quebra
Meu sangue é preto e vermelho
Pelo luto que guardo pelos meus ancestrais
Abatidos coverdemente.
Que não se quebra
Meu sangue é preto e vermelho
Pelo luto que guardo pelos meus ancestrais
Abatidos coverdemente.
O banzo às vezes me persegue
Mas resisto bravamente
Não vou ser derrotada novamente
Por isso digo com alegria:
Sou negra!
Negra rainha
Negra mulher.
Negra com orgulho.
Sou negra neste e serei, em todas as vidas.
Mas resisto bravamente
Não vou ser derrotada novamente
Por isso digo com alegria:
Sou negra!
Negra rainha
Negra mulher.
Negra com orgulho.
Sou negra neste e serei, em todas as vidas.
Revelações
Sim, assumo
Meu passado foi negro…
E se me perguntar
Digo, sem medo de errar
Que meu futuro
Negro será!
Meu passado foi negro…
E se me perguntar
Digo, sem medo de errar
Que meu futuro
Negro será!
(do livro Coroações. Ed do Autor, 2014).
Fonte: Mulheres da Periferia
“O cabelo crespo é a coroa da mulher negra”
“Eu alisava o cabelo desde os 10
anos de idade. A gente quer se adaptar, ser aceita na escola, parecer
minimamente alguma coisa. Na universidade, em Franca, comecei a
questionar mais, mas é complicado desconstruir aquilo que você é,
continuei a alisar, fazer relaxamento.
Quando voltei para São Paulo e
conheci esse movimento de periferia, vi os homens e mulheres, a
juventude negra forte e empoderada, e comecei a considerar que não podia
mais ficar me violentando, negando o que sou, a minha natureza.
Usei tranças, turbantes e deixei
crescer. Tirei férias e cortei todo o cabelo alisado. Foi um rito de
passagem. Quando me vi pela primeira vez no espelho eu vi uma coroa. Foi
muito importante para eu gostar de mim. Essa é a coroa da mulher negra.
A coroa vai ser o fio condutor do meu livro”.
A partir desse processo de
reconhecimento e identidade a escritora Débora Garcia, 32 anos, moradora
do bairro Parada XV, em Itaquera, estruturou o seu primeiro livro, “Coroações”, lançado no fim do ano passado. A obra reúne diversas poesias que Débora já apresentava em saraus na periferia de São Paulo.
Nascida e criada na zona leste de São
Paulo, Débora é assistente social e se formou no campus da Unesp –
Universidade Estadual Paulista em Franca, no interior do estado. Há 9
anos é funcionária pública e trabalha no Centro de Referência da
Assistência Social (CRAS) no município de Suzano, na região
metropolitana.
Foi em Suzano que a poetisa teve contato
com o movimento dos saraus, frequentando os eventos da Associação
Cultural Literatura no Brasil, liderada pelo escritor Sacolinha. Após a
rotina cansativa de trabalho, e os problemas cotidianos que tinha que
lidar na assistência social, Débora se encontrou na poesia.
“Dava 17h eu desligava e ia pro sarau,
era minha válvula de escape e também uma forma de fazer denúncia. A
literatura me traz esse respiro, de falar das minhas questões”. A jovem
que escrevia desde a adolescência passou, então, a divulgar seus textos e
se apresentar nos eventos, tornando-se membro da Associação.
“É muito importante ver um igual fazendo
aquilo que antes parecia distante. Quando eu vejo um jovem como eu que
está conseguindo viver da literatura, vejo como um incentivo de que é
possível ser escritora também. Tirei o escritor desse pedestal”.
Coroação
O primeiro texto que Débora publicou foi na edição 84 dos Cadernos Negros, organizados pela Quilombhoje,
em 2011. Depois disso, participou de antologias de saraus e escritores e
no ano passado publicou por contra própria “Coroações”, seu primeiro
livro.
“Esse eu fiz de maneira independente,
tive que me organizar e pagar. Abri uma poupança e juntei o dinheiro”,
explica a escritora, que revelou que já vendeu 700 dos mil exemplares
editados, e continua divulgando a obra em diversos espaços e eventos.
“Fiz o lançamento, foi outro rito de
passagem, uma cerimônia. Não é porque eu não tinha livro publicado que
não me considerava escritora, mas marcou minha entrada nesse universo
formalmente. Foi mágico”.
Dividida em três partes, a obra expressa
em poesias as dores de Débora, na seção “Coroa de espinhos”; os amores,
relações familiares, os sentimentos pela periferia, em “Coroa de
Flores”; e a seção “Ojá” traz os poemas dedicados à cultura negra.
“Eu podia usar a palavra turbante,
Black, mas escolhi Ojá para fazer a provocação para a cultura de
matrizes africanas. Ojá é o torso que no candomblé vai dizer sua posição
na comunidade, quem é seu pai de santo, quais são seus orixás”.
Novos sonhos
Débora já está produzindo e organizando
projetos para a publicação de novos livros e também está aprimorando
suas habilidades cênicas. Ela já criou e participou de apresentações
teatrais e também já atuou em curta metragens, como em “Vidas de
Carolina”, documentário de Jéssica Queiroz que conta a história de
mulheres que sobrevivem de coleta de material reciclável, relacionando
suas trajetórias com a vida e obra da escritora Carolina Maria de Jesus.
“Desenvolvi projetos sobre a obra de
Carolina no CRAS, onde 90% das mulheres que atendo são negras, não tem
companheiros, vivem sozinhas e muitas vivem do lixo. A identificação com
Carolina é automática, então incentivo elas a pensarem no futuro,
transformarem sua história, vislumbrarem em uma situação caótica uma
possibilidade, como Carolina que tinha um sonho. A mulher deixa de
sonhar. Ela sonha em constituir uma família, depois ela constitui a
família e não é feliz, o cotidiano começa massacrar os sonhos da
mulher”.
Débora Garcia define a mulher da
periferia como uma sobrevivente. “Ela é massacrada pela sociedade, pelo
Estado, pelo companheiro, mas tem um grande potencial de transformação,
ela que faz a coisa acontecer. Ela é forte, guerreira e capaz de mudar
sua história”.
A escritora, ainda, acredita no poder da
literatura no empoderamento da mulher da periferia. “A literatura
feminina tem um papel social mais forte justamente pela condição da
mulher. Quando uma mulher consegue colocar no papel algo na perspectiva
de quem vive, ela tem um papel social de contribuir para as reflexões
dos homens e de algumas mulheres também que não estão empoderadas e tem
discurso machista”.
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