Nem seu cabelo, nem seu turbante vão te livrar do racismo

Por Joice Berth
Eu sou uma entusiasta do empoderamento
estético há anos. Pessoas negras perdem emprego por serem esteticamente
diferente do padrão eurocêntrico imposto nos principais meios de
comunicação. Pessoas negras são alvo de perseguição na escola, são
preteridas em lugares elitizados, impedidas de adentrarem nos templos de
consumo, tudo isso por manter sua estética tal qual ela é. Sempre, em
algum momento da vida de um negro, ele ouviu alguém perguntar: ‘Mas não
vai alisar esse cabelo?’ ou então ‘Você tem os traços finos por isso é
um negro(a) bonito(a)’.
Por essas e outras sempre tratei a
questão como foco de valorização da identidade afrodescendente. Mas,
atualmente, quando abro um página de rede social e leio o ataques de uma
mulher negra sobre a outra, simplesmente por essa mulher expor uma
verdade discutida e confirmada estatisticamente por pesquisas sérias de
intelectuais negras e até mesmo brancas e que é um tabu dentro dos
próprios movimentos em defesa do negro, me pergunto angustiada: O
empoderamento está de fato acontecendo? E em que sentido?
Já há muito observei meninos negros,
bonitos e altivos, ostentando camisas do Malcom X, gritando palavras de
ordem e exaltando o “100% preto” e que o discurso não acompanhava nem de
longe a prática de valorização racial. Esses meninos continuavam
excluídos nos meios sociais que frequentavam e sendo alvo de piadas e
comentários racistas, sem argumento intelectual para se defenderem e sem
força para dar as costas para os racistas que os atacavam.
Essa realidade não mudou. Agora ela vem
se ampliando, porque os cabelos estão sendo ~aceitos~ mais o racismo
continua. Empoderar é criar ferramentas para resistência e luta por
igualdade de direitos entre as raças e os gêneros que atuam e ocupam o
cenário social. Ponto. E são várias as ações que precisam ser
viabilizadas para trazer essas ferramentas até a população negra se
empoderar. E é um caminho espinhoso, porque o racismo e machismo
internalizado das pessoas provoca reações de ira extrema! A zona de
conforto é ameaçada, fica estremecida e obriga a PENSARRRRRR. E o
PENSARRRRRR leva ao DESCONSTRUIRRRR, que leva ao RECONSTRUIRRRRR uma
nova postura muito mais lúcida e perigosa para o sistema atual. Aí
começa a verdadeira briga contra a burguesia exploradora, os privilégios
são distribuídos deixando de serem privilégios e passando a ser direito
comum.
Esse é o processo que todo militante
deseja que aconteça. Mas como? Se ninguém quer discutir verdades
cavernosas como a quebra racial gerada pela rejeição do homem negro a
suas iguais e quando alguém se propõe a isso é duramente atacado,
perseguido, humilhado com o aval da população negra masculina e
feminina. Como? Se ninguém quer levar a aceitação estética a sério e
usá-la como faxina interior que pode varrer o racismo internalizado
desde o Brasil colonial. Como diz uma intelectual negra contemporânea:
‘Se o preto estiver morto não vai poder sentir orgulho do cabelo’.
O empoderamento do negro começa, quando
ele cria consciência da realidade dolorosa que o cerca e passa a se auto
afirmar como negro se opondo a isso no seu próprio meio social. E o
cabelo black deve ser uma consequência disso, uma marcação de território
que respalda ações políticas em todo espaço social ocupado e não um
fato solitário esvaziado de sentido prático. Há que saber da sua
história, das lutas dos antepassados, dos problemas que enfrentamos
na contemporaneidade e passar a partir dessa reflexão repensar caminhos
de atuação dentro e fora dos movimentos negros.
Estamos diante do genocídio escancarado
da população negra, na mira de grupos de extermínios que contam com a
conivência e a falta de interesse do Estado para promover chacinas, não
ocupamos ainda os espaços acadêmicos e profissionais de maneira
proporcional, somos vítimas de abortos clandestinos e violência
obstétrica nos hospitais públicos. Mas o cabelo está lindo né?! Com
cachos soltos e volumosos. E o racismo sendo alimentado pela nossa
segregação interna, dentro da própria negritude estamos nos censurando,
passando a falsa ideia de que existe uma ‘irmandade’ usando ideias
essencialistas, mas que vai ao chão cada vez que alguém contradiz o mito
da democracia racial.
E que fique absolutamente legível que
ninguém está se opondo ao orgulho crespo ou dizendo que é isso que vai
fazer o racismo crescer. O foco é, até que ponto você está realmente de
acordo com a sua manifestação estética. Até que ponto você está pronto
para o enfrentamento da sua realidade de pessoa negra.
Poderíamos refletir com mais seriedade
essas questões, sair da caixinha, da caverna do Platão e conhecer novas
possibilidades de luta, onde a futilidade não seja estrela da festa. O
Black Power é tudo, menos questão estética, logo não pode esconder a
futilidade e a alienação de negros que reproduzem o comportamento dos
negros da casa grande, aqueles que para ganhar alguma atenção do
sinhozinho e da sinhazinha deduravam, expunham e maltratavam seus
iguais. Porque esses negros não se livraram da ira racista dos brancos, e
você irmão e irmã de cor, não vai se livrar também. Pense nisso.
Fonte: Imprensa Feminista
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