Por um planejamento urbano comprometido com as necessidades das classes populares
Pensar a cidade como um espaço democrático é tarefa de um geógrafo/a comprometido com a ciência humana e não com a ideologia. Atualmente é imprescindível o planejamento urbano ser tratado como um estudo primordial para a melhoria das condições de vida da sociedade. Porém alguns autores, como Pierre George (1969) e Flávio Villaça (1999) já nos apresentavam o planejamento urbano como uma atuação do Estado para o interesse da classe dominante, com o discurso de que as intervenções urbanas seriam benéficas para as classes populares que eram consideradas as responsáveis pelo crescimento urbano descontrolado. Corroborando com Villaça, as remoções da década de 1960 e 1970 direcionadas para a Baixada Fluminense materializam a atuação ideológica do planejamento urbano, pois as principais remoções foram na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
Exemplificando o caso acima, temos a revitalização dos centros urbanos no mundo todo que remove a população das áreas centrais para as periferias. Ermínia Maricato (2001) mostra como novos conceitos (revitalização, revalorização, resignificação e gentrificação) encobertam velhas práticas quando expulsam a população do centro para áreas distantes, privando-a do direito à cidade já que o transporte público é ineficiente e custoso para as classes populares.
Resistências no centro
Diferentemente dos moradores da periferia que sentem dificuldade em serem sujeitos do seu espaço devido aos empecilhos proporcionados pelos problemas urbanos como congestionamentos, distância do trabalho à casa, violência, entre outros, os moradores de ocupações de prédios públicos do centro da cidade do Rio de Janeiro colocam como essencial a necessidade deles serem os agentes deste espaço.
Uma das justificativas dos movimentos sociais urbanos para a ocupação da área central é a facilidade de acesso aos serviços urbanos, sobretudo culturais e de entretenimento. É notório que os melhores museus, centros culturais, colégios, teatros, etc. estão situados no centro da cidade e os moradores das ocupações os colocam como fator imprescindível para permanência em suas residências conquistadas.
Na presente década, as políticas públicas visam a formação de corredores culturais no centro da cidade como uma maneira de atrair atividades comerciais, para vencer a ociosidade e o abandono. Porém os corredores culturais não compreendem as moradias já estabelecidas, como é o caso de ocupações do centro que são acusadas de desvalorizar a região e sofrem pressões do Estado.
Contraditoriamente, a melhor maneira de atender os objetivos das atuais políticas públicas é através do incentivo à moradia em áreas centrais e países como México, Argentina e França já demonstraram que é possível (apesar de terem pontos questionáveis). No caso dos centros das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, eles já apresentam moradias em áreas centrais o que facilitaria a reabilitação (MARICATO, 2001).
Uma possível solução: a PEC n° 285
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n°285 estabelece que nos próximos 30 anos, ou até a eliminação do déficit habitacional (de 8 milhões de residências), no mínimo 2% da arrecadação federal e 1% da arrecadação dos estados, distrito federal e municípios sejam destinados respectivamente aos fundos nacional, estadual e municipal de habitação de interesse social.
A PEC n° 285 é importante para que a política de moradia não fique sujeita aos programas de governo e sim a uma política de Estado. Contudo, é fundamental a participação popular e o engajamento da academia para que, se aprovada a PEC n° 285 as moradias de cunho social não sejam mais uma vez uma política de apartheid, que segrega a classe trabalhadora na periferia.
É válido ressaltar que a moradia digna é um elemento fundamental à sobrevivência humana, sobretudo em países como o Brasil cujos direitos como seguro-desemprego e previdência social são dificultados ou eliminados. Logo, a "casa própria" é um direito a ser conquistado.
Bibliografia:
GEORGE, Pierre. Sociologia e Geografia. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 1969.
MARICATO, Ermínia. Brasil, Cidades. Alternativas para crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
MORADIA DIGNA: UMA PRIORIDADE SOCIAL. Disponível em: www.moradiadigna.org.br
VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil, in DEAK, Csaba e Schiffer, Sueli R. orgs. O processo de urbanização do Brasil, São Paulo: Fupam, Edusp, 1999.
Gustavo Ferreira é graduando em geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e atua em atividades culturais em ocupações de movimentos sociais na área central do Rio de Janeiro.
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