Casal de namorados

Casal de namorados
adoro pintar telas

domingo, 4 de outubro de 2015

DESIGUALDADES E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL

Desigualdade&e&indicadores&sociais&no&Brasil Francisco!Vidal!Luna!e!Herbert!S.!Klein O! Sociólogo! e! as! Políticas! públicas:! Ensaios! em! Homenagem! a! Simon! Schwartzman! /! Luisa! Farah! Schwartzman,! Isabel! Farah! Schwartzman,! Felipe! Farah!Schwartzman,!Michel! Lent!Schwartzman,! organizadores.!— Rio! de! Janeiro:! Editora! FGV,! 2009.! Pp! 97O116. ISBN!978O85O225O0736O8 5 Desigualdade e indicadores sociais no Brasil* FRANCISCO VIDAL LUNA E HERBERT S. KLEIN A maioria dos indicadores sociais no Brasil mostram uma expressiva melhoria nos últimos anos, mas persistem níveis de desigualdade incompatíveis com a renda e a posição do país no cenário internacional. Em 2005, os 10% mais ricos da população respondiam por 45% da renda, enquanto aos 50% mais pobres cabiam apenas 14%. O resultado é ainda mais dramático quando vemos que os 50% mais pobres se apropriavam de percentual similar ao controlado por um segmento que representava apenas 1% da população.1 Apesar da melhoria dos últimos anos, o índice de Gini mostrava ainda elevado padrão de concentração, com 0,559 em 2006.2 A maioria dos países latino-americanos situava-se na faixa média ou superior aos 50, enquanto os países mais industrializados se encontravam no patamar dos 30 ou no início dos 40.3 O próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ao analisar a Pnad de 2006, que mostrava uma tendência positiva em vários indicadores distributivos, fazia uma comparação entre o Brasil e o Canadá, país grande como o Brasil, federativo e com grande diversidade social. Como a desigualdade na distribui- 1 Segundo o Ipeadata (renda domiciliar), enquanto os 50% mais pobres se apropriam de 14,06% da renda, o grupo que compõe o 1% mais rico responde por 12,97%. 2 De acordo com as primeiras análises da Pnad 2006 (Ipea, set. 2007). 3 Ferranti et al., 2004, fi gs. 2 e 3, p. 2-10, fornecem os mais recentes índices de Gini latino-americanos. * Tradução de Mariana Timponi Rodrigues. lay Sociologo 06.indd Sec5:97 9/6/2009 16:29:28 98 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ção da renda no Canadá, medida pelo índice de Gini, estava quase 17 pontos abaixo da brasileira, mantida a atual tendência de melhoria nos indicadores de desigualdade, seriam necessários 25 anos para que o Brasil se equiparasse ao valor atual do índice de Gini do Canadá.4 Estima-se que, pelos padrões mundiais e pela renda per capita brasileira, deveria resultar em uma proporção de 10% de pobres em relação à população total do país. Contudo, 30% da população brasileira foram considerados pobres em 2005, o que representa 55 milhões de pessoas, das quais 21 milhões de indigentes, apesar da relativa melhoria ocorrida nos últimos cinco anos. Isso mostra que o Brasil exibe índices de desigualdade e pobreza muito elevados, mesmo em relação a padrões latino-americanos, a região com o maior grau de desigualdade no mundo.5 Desigualdade na educação Não é fácil entender a causa dessa extraordinária disparidade entre o Brasil e outros países de tamanho, tipo de organização e até mesmo história semelhantes. Desde a década de 1970, a causa dessa concentração de riqueza tem sido intensamente debatida, e muitos se utilizam de modelos internacionais para estudar essa questão. Contudo, tais instrumentos de análise nos permitem apenas entender a atual distribuição de renda, sobretudo de salários. Nessa área, é claro, a educação é uma variável fundamental. 4 Primeiras análises da Pnad 2006 (Ipea, set. 2007). É importante enfatizar que os dados atuais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) têm abrangência nacional e incorporam também as áreas rurais. 5 Como concluiu um estudo recente do Banco Mundial: “De acordo com pesquisas de domicílio, os 10% mais ricos recebem entre 40% e 47% da renda total na maioria das sociedades latino-americanas, enquanto os 20% mais pobres recebem apenas 2%-4%. Tais diferenças são substancialmemte maiores do que as verifi cadas nos países da OCDE, no Leste europeu e na maioria da Ásia. Além disso, a característica mais distintiva da desigualdade de renda latino-americana é a concentração de renda incomumente elevada no topo da distribuição. Até os países latino-americanos mais equitativos — Costa Rica e Uruguai — apresentam níveis bastante elevados de desigualdade de renda” (Ferranti et al., 2004:3). lay Sociologo 06.indd Sec5:98 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 99 Foi somente na metade do século XX que o governo brasileiro fi nalmente se comprometeu com a educação pública para todos os cidadãos, muito depois de isso já ter se tornado norma na maioria dos países da América Latina. Essa política explica em grande parte os índices de analfabetismo extraordinariamente altos no país ainda hoje. A restrita educa- ção pública existente era, porém, de qualidade razoável, e tanto os pobres quanto a classe média que tinham acesso à educação pública se benefi ciavam de um ensino de alta qualidade, especialmente nas então escolas públicas secundárias de elite. Os alunos tinham boas chances de ingressar em universidades públicas e gratuitas e de competir por empregos com os estudantes ricos vindos de escolas particulares. Paradoxalmente, a abertura do sistema público de educação para toda a população causou, com o passar do tempo, uma desigualdade ainda maior. A partir da década de 1970, uma política de universalização da educação básica foi posta em prática, cuja meta de completa cobertura foi fi nalmente atingida na última década do século XX. Porém, a universalização não signifi cou igualdade de oportunidades, uma vez que a massifi cação do ensino primário e secundário se deu em detrimento da qualidade. Isso criou um sistema dual no qual os pobres vão para escolas primárias e secundárias públicas e os ricos mandam seus fi lhos para escolas primárias e secundárias particulares de boa qualidade. Os alunos provenientes das melhores escolas particulares, por sua vez, conseguem, via vestibulares concorridos, uma parcela desproporcional das vagas disponíveis nas universidades públicas — as melhores do país. Já a maioria dos alunos provenientes das escolas públicas não obtém uma educação de qualidade sufi ciente para ingressar nas universidades públicas via vestibular e se veem obrigados a pagar por uma educação universitária de qualidade inferior nas precariamente organizadas faculdades particulares. Apesar de existirem algumas instituições e faculdades privadas de qualidade, estas só aceitam os alunos que conseguiriam passar nos vestibulares das universidades públicas. Os alunos provenientes das escolas públicas também se encontram despreparados para o mercado de trabalho, em contraste com os que frequentam as universidades públicas e institutos especiais. lay Sociologo 06.indd Sec5:99 9/6/2009 16:29:29 100 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS Em resumo, o sistema educacional brasileiro tal como constituído hoje reforça o processo de concentração de renda e aumenta a desigualdade, em vez de diminuí-la. Existem agora trajetórias bem distintas para ricos e pobres: os primeiros recebem uma educação de padrão comparável ao do Primeiro Mundo, e os últimos, apesar do acesso universal à educação primária, são marginalizados pela qualidade do ensino que recebem. A qualidade da educação pública primária é tão baixa que muitos dos alunos que frequentam as séries primárias ainda são defi nidos como analfabetos funcionais. Estudos sobre a distribuição de renda mostram a educação como fator fundamental para explicar diferenças nos salários. É inegável que há, em geral, uma forte correlação entre o número de anos de estudo e o salário percebido, mas talvez isso seja uma leitura incompleta da natureza da estrutura distributiva. Se a educação fosse o único fator importante para explicar a desigualdade, então bastaria universalizar a educação e aumentar o número médio de anos de estudo para reduzir os níveis de desigualdade. Seria isso verdade? Nos últimos 25 anos, o número de crianças na escola atingiu níveis bastante elevados e a média de anos de estudo tem constantemente aumentado, mas não houve qualquer mudança em termos de desigualdade no Brasil. Para uma pequena quantidade de empregos que demandam alta qualifi cação, há uma oferta limitada de bons profi ssionais, geralmente educados em boas escolas primárias e secundárias particulares e formados por boas universidades públicas e particulares. Esses alunos mais ricos têm acesso privilegiado à informação e à educação complementar em áreas fundamentais, como línguas estrangeiras. O maior nível econômico e social de seu país também facilita o acesso ao mercado de trabalho. A baixa qualidade da educação oferecida aos mais pobres os coloca em desvantagem no mercado de trabalho. A educação que recebem não os prepara para as ocupações no mercado de trabalho formal que demandam maior qualifi cação. Dessa maneira, o atual sistema educacional no Brasil reforça a estrutura social existente. Apesar de a educação ser normalmente um fator fundamental na mobilidade social, o atual sistema educacional brasileiro é incapaz de promover mudanças na rígida estrutura de distribuição de renda. lay Sociologo 06.indd Sec5:100 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 101 Recentemente, alguns estudos têm demonstrado que o grande esforço educacional realizado nos últimos 10 anos passou a produzir resultados no mercado de trabalho, reduzindo a desigualdade salarial explicada pelas diferenças educacionais. O processo ocorreu tanto pela diminuição das disparidades de anos de estudo da população, quanto por mudanças no mercado de trabalho, que diferencia menos por nível educacional. Os dois efeitos em conjunto explicariam 37% da queda na desigualdade nos rendimentos do trabalho.6 Política econômica e desigualdade O processo de industrialização induzida, que se iniciou na década de 1930, alterou profundamente a estrutura produtiva do país, modernizando a economia e provocando uma migração dramática da população para os centros urbanos. Hoje, todas as regiões do país estão integradas à economia de mercado, integração que foi ajudada pela industrialização e pela expansão do mercado de trabalho moderno. Para a população como um todo houve um aumento sensível da renda, bem como de todos os indicadores sociais. Contudo, apesar dessas mudanças, a estrutura de concentração da riqueza que marca o país como um dos mais injustos do mundo não se alterou. Mesmo comparado a outros países da América Latina, o Brasil se destaca, apesar de esses países terem processos de colonização, urbanização e industrialização semelhantes. É claro que as reformas feitas pelo governo Kubitschek na metade da década de 1950 nas políticas federais de industrialização foram fundamentais para a criação do moderno mercado nacional. Em apenas alguns anos, foram estabelecidas as indústrias automotiva e de bens duráveis, o que rapidamente supriu as necessidades básicas do mercado interno e propiciou a criação de um mercado de consumo moderno. Esse mercado precisava que uma parcela grande da população tivesse renda alta, o que por sua vez se tornou possível graças ao surgimento de uma classe operá- ria com salários mais altos, pagos por essas indústrias. A política nacio- 6 Barros, Franco e Mendonça, 2007. lay Sociologo 06.indd Sec5:101 9/6/2009 16:29:29 102 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS nal apoiava tanto os trabalhadores quanto os industriais na criação desse moderno mercado, mas tendia a reforçar o processo de concentração de renda. Por isso, esses benefícios não atingiram a maior parte da população. Não há dúvida de que todos se benefi ciaram desses anos de crescimento, mas foi nesse período também que teve início o debate nacional sobre a distribuição da riqueza no país. Esse debate questionava o modelo brasileiro como um todo, que se baseava no controle dos salários para subsidiar a expansão. Os defensores da política nacional argumentavam que ela havia promovido a inclusão de novos trabalhadores na economia de mercado e que as distorções na distribuição da renda eram apenas transitórias.7 Dizia-se que o desequilíbrio entre a crescente demanda por profi ssionais altamente qualifi cados e a pequena quantidade desses profi ssionais no mercado era a causa das grandes distorções na estrutura salarial. Argumentava-se que isso era apenas um problema passageiro, que seria resolvido com o aumento do número de profi ssionais qualifi cados no mercado. Os críticos desse pensamento diziam que não se tratava de uma concentração de renda transitória, causada por distorções no mercado de trabalho e, sim, uma consequência da política econômica implantada pelo governo, especialmente no que dizia respeito ao controle artifi cial dos salários imposto pelos militares, mesmo durante os anos de crescimento econômico extraordinário.8 A crise da década de 1980, marcada por baixo crescimento e infl ação alta, não reduziu as distorções na renda. A renda per capita absoluta cresceu pouco nesse período, e não houve um processo redistributivo. A infl a- ção causava a deterioração de todos os salários, mas era mais perversa com os trabalhadores que não possuíam mecanismos efetivos para proteção. A renda não proveniente de salário, especialmente a que estava ligada ao mercado fi nanceiro, usava a indexação para proteger seus ganhos. Até aqueles que recebiam altos salários podiam proteger sua poupança dessa maneira. Por esse motivo a recessão e a infl ação alta foram profundamente negativas na evolução do nível absoluto de renda e de sua distribuição. 7 Langoni, 1973. 8 Fishlow, 1973. lay Sociologo 06.indd Sec5:102 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 103 Em 1986 ocorreu o primeiro plano de estabilização, que conseguiu temporariamente controlar a infl ação e promover forte crescimento. Como esse programa durou apenas um ano, não foi capaz de reverter de forma permanente nenhum indicador de distribuição de renda, apesar de ter temporariamente reduzido as desigualdades salariais. A estabilidade criada pelo Plano Real em 1994 trouxe alívio para o segmento mais pobre da população. O fi m da infl ação representou também o fi m do imposto infl acionário que corroía a renda dos mais pobres. A estabilidade criou um grande aumento na demanda, principalmente dos segmentos mais pobres, por bens e alimentos. Porém, dois fatores reverteram esse processo. O primeiro foi a instabilidade da economia internacional, que tornou o país mais vulnerável às crises externas, e a adoção de medidas recessivas para promover o ajuste do balanço de pagamentos. O segundo foi a adoção de reformas liberais de privatização e a abertura da economia, que provocaram grandes transformações nas indústrias e nos empregos. A maioria das empresas se modernizou e reduziu seu quadro de funcionários. Os empregos que restaram exigiam alta qualifi cação e muitos dos novos empregos foram criados na parte inferior do mercado de trabalho. Tudo isso contribuiu para uma grande expansão da economia informal e o crescimento do desemprego, o que apenas reforçou o sistema injusto de distribuição de renda. O baixo crescimento ocorrido durante o governo Fernando Henrique Cardoso e nos primeiros anos do mandato do presidente Lula não favoreceu a ampliação do nível de emprego, particularmente do emprego formal. Nos quatro últimos anos, embora sem aproveitar adequadamente o potencial gerado pelo desempenho excepcional da economia mundial, houve um aumento nas taxas médias de crescimento da economia, com recuperação do emprego formal e informal. Desde 2005 ocorre também uma queda sistemática nas taxas de desemprego das regiões metropolitanas,9 mas o rendimento real das pessoas empregadas, em dezembro de 2007, era inferior ao valor obti- 9 IBGE, tabela 158 — pessoas com 10 anos ou mais de idade, desocupadas na semana de referência, por regiões metropolitanas, segundo os meses de referência (mar. 2002- dez. 2007). lay Sociologo 06.indd Sec5:103 9/6/2009 16:29:29 104 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS do no primeiro semestre de 2002.10 Por outro lado, continua o processo de redução gradativa da desigualdade salarial, iniciada quando da implantação do Plano Real.11 Em face do baixo crescimento da economia e do emprego, o governo Fernando Henrique Cardoso criou algumas políticas compensatórias de distribuição de renda, intensifi cadas no governo Lula. O Bolsa Família, que consolidou e ampliou os programas existentes e que benefi ciava 11 milhões de famílias em dezembro de 2007, talvez seja o mais importante.12 As desigualdades regionais A questão da desigualdade também pode ser vista em termos de local de residência e cor. Além da dicotomia urbano/rural encontrada na maioria dos países em desenvolvimento, o Brasil também apresentava fortes disparidades regionais, que, apesar de comuns nas sociedades industriais avançadas, eram especialmente pronunciadas nesse país de proporções continentais. Na década de 1970, as pessoas nascidas na região central do Nordeste, a mais pobre do país, tinham uma expectativa de vida de surpreendentes 18,8 anos a menos do que as dos estados mais ricos do Sul — Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.13 Apesar de essas taxas terem melhorado em todas as regiões, a diferença permaneceu a mesma entre as regiões mais e menos desenvolvidas do país. Em 2004, a taxa de mortalidade infantil no Nordeste ainda era o dobro daquela da Região Sudeste (ou 34 mortes por mil nascimentos contra 15 mortes por mil nascimentos).14 Essa disparidade também estava presente nas taxas de analfabetismo. Em 1999, na Região Nordeste, surpreendentes 34% da população acima de 15 anos foram consi- 10 IBGE, tabela 134 — rendimento real do trabalho principal, habitualmente recebido por mês, por pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas no trabalho principal. Conjunto dos dados das regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. 11 Barros, Franco e Mendonça, 2007:33. 12 Dados disponíveis em: . 13 Wood e Carvalho, 1994:115, tab. 4.4; e IBGE, 2003, tab. População 1982aeb-049.1. 14 Datasus, indicadores de mortalidade, taxa de mortalidade infantil. Disponível em: . lay Sociologo 06.indd Sec5:104 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 105 derados analfabetos funcionais, contra apenas 22% nas regiões Sul e Sudeste.15 Apesar de essa diferença também ter diminuído nas últimas décadas, ainda permanece bastante alta. Quando se considera a taxa normal de analfabetismo das pessoas com 10 anos ou mais de idade, mostrada na última Pnad, de 2006, a disparidade persiste: 18,9% no Nordeste contra 5,5% no Sudeste. Nota-se uma menor disparidade quando se comparam os anos de escolaridade dos maiores de 10 anos. Os dados de 2006 mostram um resultado de 5,6 para o Nordeste e 7,5 para o Sudeste.16 Recentemente, a propor- ção absoluta de matrículas de crianças em idade escolar é praticamente a mesma entre essas regiões, o que sugere que essa diferença irá progressivamente desaparecer nas próximas décadas.17 Ainda existem grandes problemas com a proporção de alunos que concluem os estudos e com a diferença da qualidade do ensino nessas regiões. Os estados do Sudeste gastam mais com cada aluno do ensino fundamental do que os estados do Nordeste. Com índices de pobreza mais elevados que o normal, a Região Nordeste também possui moradias de pior qualidade. Isso é mostrado pelos dados mais recentes sobre moradia da Pnad. Na pesquisa de 2006, por exemplo, apenas 75% das residências no Nordeste tinham fornecimento de água adequado, contra 92% dos estados do Sul. Quanto ao saneamento básico, a situação era mais perversa: apenas 28% das residências no Nordeste estavam ligadas à rede coletora de esgotos, contra 77% no Sudeste. Apenas os índices de fornecimento de energia elétrica adequado estavam próximos nas duas regiões: 94,7% no Nordeste e 99,6% no Sul.18 A pobreza e a inabilidade de alcançar índices de desenvolvimento semelhantes aos das regiões mais ricas fi zeram do Nordeste um grande exportador de mão de obra. Também não houve grandes mudanças nas disparidades econômicas básicas, responsáveis por essas diferenças, principalmente no Nordeste. Em 1985, o PIB da região correspondia apenas a 35% do PIB da região mais rica do país, e essa diferença permanece 15 IBGE, 2003, tab. Educação 2000s2_aeb-82. 16 IBGE, Pnad, síntese dos resultados de 2006, p. 108-111. 17 Castro, 1999:11. 18 IBGE, Pnad, síntese dos resultados de 2006, p. 188-193. lay Sociologo 06.indd Sec5:105 9/6/2009 16:29:29 106 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS elevada até nas mais recentes estimativas. Em 2004, a renda per capita nordestina era ainda 39% da renda per capita do Sudeste.19 Apesar de abranger 29% da população em meados da década de 1990, o Nordeste respondia por apenas 12% do PIB, enquanto sua participação industrial era de apenas 10% da produção, e até mesmo a produção agrícola respondia por apenas 17% da produção nacional.20 Enquanto isso, residiam no Nordeste 44% dos pobres do país. A Região Sudeste continha aproximadamente 44% da população, mas apenas um terço dela era considerado pobre.21 Durante o último quarto de século, algumas das disparidades sociais e econômicas foram consideravelmente reduzidas, as diferenças regionais também mudaram e um padrão mais geral passou a infl uenciar a maioria das regiões do país. Esse resultado pode ser visto, por exemplo, na expectativa de vida: a diferença entre as regiões mais saudável e menos saudável (Sudeste e Nordeste) caiu para apenas 4,5 anos de vida no nascimento.22 Mas ainda existem variações supreendentes: as mulheres no Nordeste vivem em mé- dia 5,4 anos a menos do que as do Sudeste.23 Além disso, a população rural, embora represente uma parcela cada vez menor da população em todas as regiões, não alcançou os mesmos padrões de desenvolvimento em todas as regiões desde a década de 1970, e as disparidades regionais permanecem grandes. Contudo, as diferenças na taxa de fertilidade, que eram bem grandes entre cada região, têm progressivamente desaparecido. De modo geral, a diferença na taxa total de fertilidade nos estados do Nordeste e do Sudeste, no período 1980-2000, caiu de 2,6 para 0,6 fi lho por mulher.24 19 Datasus, indicadores socioeconômicos, PIB per capita. Disponível em: . 20 Silva e Medina, 1999:12-13, tabs. 3-5. 21 Rocha, 1998:20, tab. 1B. 22 Datasus, indicadores demográfi cos, esperança de vida ao nascer. Disponível em: . 23 Consultar tab. 8: Esperança de vida ao nascer e aos 60 anos de idade, por sexo, regiões do Brasil e unidades da Federação, 2000, do Anuário Estatístico de Saúde 2001, do Ministé- rio da Saúde. 24 IBGE, Censo 2000, taxas de fecundidade total segundo as grandes regiões — 1940- 2000. Disponível em: . lay Sociologo 06.indd Sec5:106 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 107 Apesar de todas as regiões terem melhorado dramaticamente no último quarto de século, o Norte e o Centro-Oeste, que eram as menos desenvolvidas, alcançaram um nível de desenvolvimento social comparável às regiões tradicionalmente mais desenvolvidas do Sul e do Centro-Sul. Isso se deveu em grande parte ao surgimento de novas áreas de agricultura comercial, o que trouxe grande riqueza a essas regiões até então isoladas e marginalizadas. Não só foram criados seis novos estados em antigos territórios federais, mas o padrão de vida dessas regiões tornou-se próximo ao dos estados mais desenvolvidos do Sul e do Centro-Sul. Em termos sociais e demográfi cos, a riqueza do Centro-Oeste, região até então isolada, rapidamente atingiu ou superou as médias nacionais. Em 2002, 90% da população do Centro-Oeste de 10 anos ou mais tinham mais de um ano de escolaridade, número melhor que a média nacional.25 Em 1980, por exemplo, a mortalidade infantil já era bastante baixa e, em 2004, era menor (18,7 mortes por mil nascimentos) que a média nacional e um pouco maior que a metade da taxa de mortalidade infantil do Nordeste.26 Em 2000, a taxa de fertilidade, que em 1940 era maior do que a média nacional (6,4 fi lhos), também passou a ser menor do que a média nacional (2,2 fi lhos).27 A região cresceu tão rapidamente na década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI que superou as regiões Sul e Sudeste como principal destino de migração dos trabalhadores pobres do Nordeste e tornou-se também uma região atraente para os fazendeiros do Sul e do Sudeste. A desigualdade étnico-racial Além das diferenças regionais no tocante à riqueza, o Brasil, como todas as sociedades das Américas que foram escravocratas, também sofreu com o preconceito e a discriminação racial. Apesar do infi ndável debate entre os brasileiros sobre se a condição dos descendentes de escravos resultaria 25 IBGE, Pnad 2002, Centro-Oeste, tab. 2.3. 26 Em 2004, a taxa nordestina era de 33,94, contra 18,7 do Centro-Oeste. Ver Datasus, indicadores de mortalidade, taxa de mortalidade infantil. Disponível em: , e IBGE, Censo Demográfi co 1970-2000. 27 IBGE, Censo Demográfi co 1940-2000. lay Sociologo 06.indd Sec5:107 9/6/2009 16:29:29 108 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ou não da classe social ou da discriminação racial, é fácil constatar que os negros têm menor mobilidade social e acesso a recursos. É verdade que a divisão de cor entre negros, pardos e brancos contribuiu para amenizar o preconceito racial da população. Além disso, a existência de brancos pobres signifi ca que a pobreza não é defi nida exclusivamente pela cor, e as favelas no Brasil são centros multirraciais. Isto posto, não há dúvida de que o preconceito racial existiu durante todo o período posterior à emancipação dos ecravos e de que os negros em especial sofreram a discrimina- ção de todos os membros da sociedade. Os melhores dados sobre a condição racial no Brasil vêm da Pnad. Na última pesquisa, de 2006, estimou-se que 50% da população eram brancos, 43% mulatos e 7% negros.28 A população não branca (pardos e negros) era maioria nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Apesar de nem todas essas regiões serem consideradas pobres pelos padrões brasileiros, a população não branca ocupava as classes mais baixas, mesmo nas regiões mais ricas, e era a maioria na região mais pobre de todas, o Nordeste. Também constatou-se que, entre a população de cor, o número de analfabetos é bem maior do que entre os brancos. Em todo o país, os adultos negros e pardos têm duas vezes mais chances de ser analfabetos funcionais do que os brancos (ou 32% contra 18% em 2002). Essa diferen- ça foi encontrada tanto nas zonas mais ricas quanto nas mais pobres. Sendo assim, os estados do Sul e do Sudeste, que dispõem dos melhores indicadores de qualidade de vida e educação, apresentam uma diferença ligeiramente menor entre brancos e não brancos (17% de analfabetos funcionais brancos contra 27% pardos e 20% negros).29 Dadas essas diferen- ças nas taxas de analfabetismo, não é de supreender que a mesma diferença seja observada na escolaridade, com a população de cor vindo muito atrás da população branca. Em 2003, os adultos negros ou pardos tinham em média dois anos a menos de educação que os brancos — ou cinco anos contra sete de escolaridade.30 28 IBGE, Pnad, síntese dos resultados de 2006, p. 89. 29 Pnad 2003, tab. 11.3. 30 Ibid., tab, 11.7. lay Sociologo 06.indd Sec5:108 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 109 Como era de se esperar, considerando-se os resultados referentes à educação, as diferenças raciais de renda também eram grandes. Os resultados da Pnad foram consistentes em todas as regiões e ocupações no que diz respeito a diferenças de renda entre brancos e não brancos. Em 2003, por exemplo, a renda da população branca era o dobro daquela da população negra e parda, e isso foi observado em todas as regiões, exceto na Norte, onde a população negra e parda tinha renda equivalente a dois terços da renda média da população branca. Não foram observadas grandes diferenças entre os sexos: os homens não brancos tinham uma renda um pouco maior que as mulheres não brancas.31 A população de cor brasileira também apresentava maior probabilidade de se situar na metade inferior dos decis de renda do que a população branca. Cerca de 51% dos brancos encontravam-se no topo, entre os 30% dos maiores rendimentos, enquanto apenas 27% dos negros e pardos recebiam salários nessa mesma faixa. Essa grande desigualdade também estava presente na distribui- ção de ocupações, na composição de domicílio e na educação.32 Em 2003, aproximadamente 6% dos brancos trabalhavam em serviços domésticos, contra 10% de negros e pardos — e nas áreas mais ricas do país — esse contraste era ainda maior, sendo essa relação nos estados do Sul e do Sudeste de 6% de brancos contra 12% de negros e pardos. Por sua vez, 6% dos brancos eram empregadores, contra apenas 2,2% de negros e pardos.33 Mesmo quando a população negra e parda tinha a mesma ocupação, seu salário médio era consistentemente menor do que o dos brancos.34 Entre os 10% mais pobres, 68% eram negros e pardos, e entre os 10% mais ricos, apenas 13%. Em ambos os casos, a proporção é muito diferente da percentagem total de negros e pardos na população em geral.35 Estima-se que a proporção de negros e pardos situada abaixo da linha da pobreza no Brasil seja de 50%, enquanto a de brancos não passe de 25%.36 31 Pnad 2003, tab. 11.11. 32 Pnad 2001, microdados (IBGE, 2002), tab. 9.16. 33 Pnad 2003, tab. 11.13. 34 Ibid., tab. 11.14. 35 Ibid., tabs. 11.16 e 11.17. 36 Pnud, Cedeplar, Atlas racial brasileiro de 2004. lay Sociologo 06.indd Sec5:109 9/6/2009 16:29:29 110 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS É evidente, então, que mais de um século após a emancipação, a população descendente de escravos no Brasil ainda é em sua maioria pobre, fator que certamente está relacionado a uma longa e complexa história de discriminação, que permaneceu até mesmo após a emancipação. Também é de se esperar que essas diferenças sejam sentidas em taxas mais altas de mortalidade e menor expectativa de vida, mas esse tipo de informa- ção por cor ainda não existe no Brasil. Contudo, cabe ressaltar que nem todos os índices são negativos. Por exemplo, a diferença na média de anos de escolaridade tem diminuído lentamente. As matrículas escolares de 2003 mostravam uma diferença pequena entre brancos, negros e pardos em quase todas as faixas etárias. Apenas nos grupos mais velhos a diferença era signifi cativa, e mesmo assim não tão extrema.37 O mesmo pode ser dito em relação à organização familiar. A Pnad de 2003 mostrou que basicamente não há diferenças de cor em termos de estrutura familiar. O número de pessoas que moram sozinhas e de famílias com crianças che- fi adas por mulheres foi idêntico para brancas e para negras e pardas.38 Da mesma maneira, o número de famílias chefi adas por homens era praticamente o mesmo entre brancos, pardos e negros. Sendo assim, a pobreza e a desintegração familiar não são coincidentes no contexto brasileiro. Contudo, o impacto da pobreza diferencial ainda é sentido nas taxas de mortalidade. O Pnud, das Nações Unidas, estimou que, em 2000, a taxa de mortalidade infantil entre os fi lhos de mães negras foi dois terços maior do que entre os fi lhos de mães brancas. Apesar de a diferença na expectativa de vida entre brancos de ambos os sexos e negros e pardos ainda ser de 5,3 anos, esse número caiu consideravelmente, pois, em 1950, a diferença era de 7,5 anos. Há pouca diferença na taxa de fertilidade entre brancos e negros, apesar disso, as negras tendiam a fazer menos cesá- rias e a ter uma taxa de fertilidade um pouco maior do que as brancas — contudo, esses números têm fl utuado consideravelmente e não revelam uma tendência clara. Dado o fato de serem mais pobres, os negros e par- 37 As percentagens foram 86%-79% para o grupo dos 15 aos 17 anos e 30%-23% para o grupo dos 20 aos 24 anos. Pnad 2003, tab. 11.4. 38 Pnad 2003, tabs. 5 11.15a-11.15d. lay Sociologo 06.indd Sec5:110 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 111 dos tendem a usar mais os hospitais que os brancos, e as diferenças na expectativa de vida, ainda que estejam diminuindo, podem sugerir que a população negra e parda tende a ser menos saudável que a população branca.39 As áreas rurais e urbanas Como em quase todos os países em desenvolvimento, o Brasil também apresenta grandes diferenças entre as populações urbana e rural. Mas essa diferença está gradativamente desaparecendo. Até 1970, a população rural preocupava-se basicamente com a subsistência e tinha o padrão de vida mais baixo do país. Era também a população com as maiores taxas de mortalidade e fertilidade e com os níveis mais baixos de educação. A pobreza era endêmica na área rural, e o contraste entre a sociedade rural e urbana não poderia ser maior. Mas a combinação de crescimento do setor urbano moderno e de revolução agrícola reduziu o número de trabalhadores rurais na sociedade em geral, inclusive em números absolutos, e também contribuiu para diminuir a percentagem de indigentes e pobres nas áreas rurais. Sendo assim, a população rural atingiu seu número má- ximo em 1970, com 41 milhões de pessoas (que então representavam 44% da população), e continuou caindo a cada década, chegando a apenas 32 milhões em 2000 (o que representa apenas 19% da população).40 Em 1996, aproximadamente dois terços da população brasileira viviam em cidades de 20 mil habitantes ou mais.41 Com o grande crescimento da agricultura comercial moderna e a lenta penetração dos meios de comunicação modernos nas áreas rurais, as marcadas e tradicionais diferenças entre a população urbana e a rural têm desaparecido gradativamente. Deve-se adicionar a esses fatores econômicos a decisão extraordinariamente tardia do governo de, no fi nal do século XX, estender os benefícios da previdência social à até então negli- 39 Pnud, Cedeplar, Atlas racial brasileiro de 2004. 40 IBGE-Sidra, tab. 1.288 — População nos censos demográfi cos por situação do domicílio. 41 Beltrão, Oliveira e Pinheiro, 2000:2. lay Sociologo 06.indd Sec5:111 9/6/2009 16:29:29 112 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS genciada área rural. Entre as muitas políticas postas em prática, a mais revolucionária foi a decisão do governo, em 1991, de garantir uma aposentadoria básica (de um salário mínimo) a todos os trabalhadores rurais — um conceito revolucionário na América Latina em termos de segurança social e que praticamente eliminou a pobreza absoluta na área rural. Apesar de as pensões parciais e por acidentes de trabalho para trabalhadores rurais terem sido criadas na década de 1950, foi apenas na Constituição de 1988 que o direito à aposentadoria foi estendido a todos os trabalhadores rurais que atingissem uma certa idade, e somente em 1991 a medida foi fi nalmente implementada. Essa aposentadoria foi concedida a todos os trabalhadores rurais que completassem 65 anos (homens) e 55 anos (mulheres) independentemente de terem contribuído ou não para o fundo nacional de aposentadoria do Instituto Nacional de Seguridade Social.42 A partir da segunda metade do século XX, a saúde e a educação pública começaram a ser levadas a muitas das áreas rurais que até então permaneciam isoladas. Todos esses fatores contribuíram para a progressiva redução das diferenças entre as populações urbana e rural. Mas, apesar da redução nas diferenças entre os indicadores sociais das áreas rural e urbana, essas permaneceram signifi cativas. A renda mé- dia de uma família da zona rural era apenas a metade daquela de uma família residente nos centros urbanos. Apenas pouco menos da metade das famílias dos centros urbanos ganhava menos de cinco salários mínimos, enquanto três quartos das famílias da zona rural situavam-se nessa faixa de renda.43 Também é importante dizer que, em todas as regiões do país, a distribuição de renda era moderadamente menos concentrada na zona rural do que nas áreas urbanas.44 42 Beltrão, Oliveira e Pinheiro, 2000. A Constituição de 1988 também garantiu uma pensão correspondente a um salário mínimo aos defi cientes e idosos. Esses dois benefícios fazem parte dos programas de prestação continuada. 43 IBGE, 2003, tab. população 2000aeb_s020. 44 Da ordem de um índice de Gini de 59 nas áreas urbanas e de 55 na zona rural. IBGESidra, tab. 2.037 — Índice de Gini da distribuição do rendimento nominal mensal dos domicílios particulares permanentes, com rendimento domiciliar, por situação do domicílio. lay Sociologo 06.indd Sec5:112 9/6/2009 16:29:29 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 113 Conclusão Se as diferenças entre sexos, locais de residência e possivelmente até raça e etnia têm lentamente diminuído, a desigualdade na distribuição de renda por classe social permanece inalterada. Esse é o maior problema hoje no Brasil. Apesar da massifi cação da educação fundamental e, em menor medida, do ensino médio, além da criação de uma vasta rede de universidades federais, estaduais e privadas e da grande queda no índice de analfabetismo, a desigualdade no Brasil continua a mesma. Apesar de as distorções salariais e as políticas negativas de controle salarial serem comumente usadas como justifi cativa para a desigualdade, o fato é que, mesmo em épocas de crescimento econômico, com mercado de trabalho livre e governo democrático, as distorções de renda e classe pouco mudaram no Brasil. Todos reconhecem que esse é um problema signifi cativo, mas poucos têm sugestões sérias sobre como pôr fi m a essas distorções. A pobreza e o analfabetismo têm diminuído graças a políticas sociais mais intensas, mas a riqueza continua concentrada como sempre foi. Segundo as Nações Unidas, houve um aumento na desigualdade de renda em dois de cada três municípios na década de 1990. Além disso, em 22 dos 23 estados e unidades territoriais do país, o índice de Gini foi pior em 2000 do que era em 1990, sendo melhor apenas no estado de Roraima, na Região Norte, e mesmo assim apenas porque a renda média caiu.45 Embora o Brasil ainda apresente indicadores sociais e de desigualdade inaceitáveis, há claramente uma tendência geral positiva em todos os indicadores, particularmente naqueles relacionados com a educação e a saú- de. Há também uma gradativa redução nas desigualdades entre regiões, sexos, raças e na comparação urbano/rural. Os avanços são menos expressivos quando analisamos a distribuição de renda, pois só recentemente a distribuição medida pelo índice de Gini passou a mostrar sinais positivos, sendo os efeitos ainda tímidos, se considerarmos o grau de desigualdade existente no Brasil. Se a estabilidade obtida com o Plano Real e a recuperação do emprego representam os aspectos mais consistentes, outros as- 45 Pnud, Fundação João Pinheiro, Atlas do desenvolvimento humano no Brasil de 2003. lay Sociologo 06.indd Sec5:113 9/6/2009 16:29:29 114 O SOCIÓLOGO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS pectos também contribuem para a redução da desigualdade, como, por exemplo, a política de elevação real do salário mínimo, que benefi cia também aposentadorias; os programas de benefícios continuados (idosos e defi cientes); a aposentadoria rural e os programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família. Esses programas, além de seu efeito positivo no processo de redução da desigualdade, têm impacto na diminuição do nú- mero de pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza e de indigência. Um estudo atual mostra que 28% da queda do índice de Gini no período 1995-2004 seriam explicados pelos programas de benefícios continuados e pelo Bolsa Família. As aposentadorias, contributivas ou não, que se benefi ciam do aumento real do salário mínimo explicariam 32% da melhoria no índice de Gini.46 Embora a retomada do crescimento e do emprego sejam elementos essenciais para a melhoria dos indicadores sociais, é evidente que a desigualdade só será reduzida através de políticas públicas efetivas no que diz respeito a serviços sociais fundamentais, como educa- ção e saúde, saneamento e habitação, e de políticas compensatórias que distribuam renda, como as implantadas nos últimos 10 anos. Somente essas políticas evitarão que as vantagens de um novo ciclo de crescimento sejam apropriadas apenas por uma parcela ínfi ma da população. As for- ças do mercado, em face das desigualdades existentes, infelizmente não promovem a redução da desigualdade de renda. É fundamental uma ação ativa do poder público. Qualquer diminuição a longo prazo da desigualdade está intimamente relacionada às políticas públicas. Apesar de o crescimento econômico contribuir para a melhoria desses índices, não pode haver redução da desigualdade a longo prazo sem políticas públicas sistemáticas de redistribuição de renda. Apenas com esses programas fi rmemente implantados no orçamento nacional é que esses extraordiná- rios níveis de desigualdade poderão ser fi nalmente reduzidos. 46 Soares et al., 2006. lay Sociologo 06.indd Sec5:114 9/6/2009 17:17:04 DESIGUALDADE E INDICADORES SOCIAIS NO BRASIL 115 Referências bibliográfi cas BARROS, Ricardo Paes de; FRANCO, Samuel; MENDONÇA, Rosane. A recente queda da desigualdade de renda e o acelerado progresso educacional brasileiro da última década. Rio de Janeiro: Ipea, 2007. (Texto para Discussão, 1.304.) BELTRÃO, Kaizô Iwakami; OLIVEIRA, Francisco Eduardo Barreto de; PINHEIRO, Sonoê Sugahara. A população rural e a previdência social no Brasil: uma análise com ênfase nas mudanças constitucionais. Rio de Janeiro: Ipea, 2000. (Texto para Discussão, 759.) CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Educação para o século XXI: o desafi o da qualidade e da equidade. Brasília: Inep/MEC, 1999. FERRANTI, David de et al. Inequality in Latin America: breaking with history? Washington, DC: World Bank, 2004. FISHLOW, Albert. A distribuição de renda no Brasil: um novo exame, Dados, n. 11, 1973. IBGE. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. LANGONI, Carlos. Distribuição da renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1973. ROCHA, Sonia. Desigualdade regional e pobreza no Brasil: a evolução – 1981-95. Brasí- lia: Ipea, 1998. (Texto para Discussão, 567.) SILVA, Antonio Braz de Oliveira e; MEDINA, Mérida Herasme. Produto interno bruto por unidade da Federação – 1985-1998. Brasília: Ipea, 1999. (Texto para Discussão, 677.) SOARES, Fabio Veras et al. Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade. 2006. Disponível em: . WOOD, Charles Howard; CARVALHO, José Alberto M. de. A demografi a da desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário